sophia de mello breyner
Sophia de Mello Breyner: a poeta que sonhou o 25 de Abril antes de ele existir
Há palavras que nos ficam, mesmo depois de fecharmos o livro. E há poetas que nos acompanham como uma bússola, discretos mas certos. Sophia de Mello Breyner é uma dessas vozes que não se apagam — pelo contrário, tornam-se ainda mais claras com o tempo.
A sua poesia é feita de luz, mar, silêncio e verdade. Mas também é feita de resistência. Não de forma estridente, mas firme. No tempo em que escrever podia ser perigoso, Sofia usou a palavra para lembrar que a dignidade humana não é negociável — e que a liberdade tem de ser vivida, não apenas dita.
A beleza da palavra que não esquece a justiça
Sophia de Mello Breyner não escrevia para agradar, nem para se impor. Escrevia como quem observa o mundo com atenção — e não aceita o que nele está torto. A sua poesia é simples, mas nunca superficial. É serena, mas nunca indiferente. Fala de beleza, sim, mas com os olhos bem abertos para a injustiça.
Muito antes de 1974, já havia nos seus versos uma sede de país novo. Quando lia ou escrevia, Sofia não separava o mundo da arte. Ela acreditava que a ética e a estética andam de mãos dadas. Que um poema pode — e deve — ser um espaço de verdade.
Uma semente de liberdade antes dos cravos
Nos anos escuros da ditadura, a sua poesia foi uma espécie de murmúrio teimoso. Nunca cedeu à censura, mesmo quando as palavras certas eram proibidas. Escrevia sobre o silêncio — mas era, na verdade, uma denúncia do medo. Escrevia sobre o mar — mas falava de horizontes por conquistar.
Por isso, quando chegou o 25 de Abril, os seus poemas já estavam lá. Já existiam como quem espera, como quem prepara o terreno para a mudança. Muitos sentiram que ela tinha dito, com antecedência, aquilo que o país inteiro queria finalmente gritar: que viver com medo não é viver.

A poesia nas ruas da Revolução
Naqueles dias de 1974, em que os cravos começaram a aparecer nas ruas, os versos de Sophia de Mello Breyner começaram a ser lidos com outro brilho. Eram os mesmos poemas — mas lidos em liberdade, soavam diferentes. Soavam verdadeiros, urgentes, vivos.
A sua poesia não falava de tanques ou de quartéis, mas do que está por trás de tudo isso: a urgência da justiça, o direito à esperança, a necessidade de sermos livres com dignidade. E é por isso que tantos continuam a vê-la como uma das grandes vozes do 25 de Abril, mesmo sem nunca ter escrito diretamente sobre ele.
Entre a política e a palavra
Depois da revolução, Sophia aceitou ser deputada — por pouco tempo. Percebeu rapidamente que o seu lugar não era nos corredores da política, mas nas margens do poema. Continuou, no entanto, a ser uma voz atenta e crítica. Nunca se calou. Nunca se acomodou.
A sua forma de intervir foi sempre a mesma: com palavras bem escolhidas e uma integridade que não tremia. Para ela, escrever era um ato de consciência. E talvez por isso a sua obra nunca envelhece — porque nasce desse lugar raro onde a beleza e a verdade se encontram.
Um legado que ainda ilumina
Hoje, muitos jovens conhecem Sophia de Mello Breyner pelos seus contos infantis ou pelos poemas que decoram na escola. Mas quando voltamos aos seus versos, percebemos que há muito mais ali: há uma visão clara do que é ser livre, do que é ter princípios, do que é não abdicar do essencial.
A sua poesia continua a ser um farol. Não nos grita o caminho, mas acende uma luz que nos ajuda a não nos perdermos. E talvez seja isso que torna Sofia tão presente, mesmo tantos anos depois: escreveu com verdade. E a verdade — essa sim — não passa de moda.
