maria teresa horta

Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça

Nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa

Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço

Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar

Nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar

Mãe
terminou o tempo
de sorrir
desculpa-me a morte
das plantas

Tatuei a tua antiga
imagem loura
em todos os pulsos
que anjos inclinam de existires

Perdi-me noite na planície
branca
sobrevivente das madrugadas
da memória

Trocaram-me os dias
e as ruas de ancas
verticais
e nas minhas mãos incompletas
trouxe-te um naufrágio
de flores cansadas
e o único jardim de amor
que cultivei de navios ancorados ao espaço

maria teresa horta na sala onde escreve

Maria Teresa Horta: a poeta da revolução que escreveu a liberdade com o corpo

Falar de Maria Teresa Horta é falar de coragem, palavra a palavra. É lembrar uma mulher que escreveu quando era mais fácil calar, que gritou quando o país ainda vivia sob o peso da censura, e que fez da poesia uma forma de resistência e afirmação. A sua escrita não pede licença — entra pela porta da frente, sem medo de incomodar.

Poeta, escritora e ativista, Maria Teresa Horta foi (e é) uma voz única no panorama literário português. A sua obra nasceu do confronto com um tempo hostil, onde ser mulher, livre e autora era quase um ato criminoso. Num país ainda fechado e conservador, ela ousou escrever sobre o corpo feminino, sobre o desejo, sobre a autonomia. E essa ousadia teve consequências — mas também abriu caminhos.

Quando a poesia é luta

Os poemas de Maria Teresa Horta não são apenas belas construções literárias. São declarações de guerra contra o silêncio imposto às mulheres. A sua poesia fala de amor, sim, mas também de prazer, de dor, de luta. Fala de liberdade — uma liberdade vivida com o corpo, com a linguagem, com o pensamento. Uma liberdade que, para muitas, ainda estava por conquistar.

Nos anos 70, tornou-se uma figura central no movimento feminista português. Em conjunto com outras duas escritoras, escreveu um livro que abalaria o país: Novas Cartas Portuguesas. A obra, rapidamente censurada pelo regime, levou as três autoras a tribunal. O caso ganhou dimensão internacional e revelou ao mundo a brutalidade da repressão em Portugal. Para muitos, foi a primeira vez que se ouviu, de forma tão clara, o grito das mulheres portuguesas contra a opressão.

Escrever o corpo — e a revolução

O que torna Maria Teresa Horta tão singular é a forma como entrelaça o político com o íntimo. A sua escrita é profundamente sensorial, mas nunca deixa de ser combativa. Fala de pele, mas também de poder. De amor, mas também de justiça. De sexo, sim — mas com uma consciência feminista muito à frente do seu tempo.

Durante décadas, escrever sobre desejo feminino era visto como provocação. Ela assumiu esse risco. E não o fez por rebeldia gratuita, mas por convicção: porque sabia que a verdadeira revolução começa quando se muda a forma como as mulheres são vistas, ouvidas e sentidas — na literatura e na vida.

Um legado que continua a incomodar — e a inspirar

Maria Teresa Horta nunca se acomodou. Recusou prémios quando os considerou incoerentes com os seus valores. Continuou a escrever, a dar entrevistas, a estar presente. E hoje, décadas depois, a sua poesia ainda ressoa. Porque ainda há corpos silenciados, desejos reprimidos, vozes por ouvir.

Lê-la é mais do que um exercício literário — é um ato de consciência. É lembrar que a liberdade não foi dada, foi conquistada. Que houve mulheres que escreveram essa liberdade, verso a verso. E que ainda há muito por dizer.

Uma poeta que nos obriga a olhar de frente

Há poetas que sussurram. Maria Teresa Horta nunca foi uma delas. Ela escreve com força, com clareza, com uma inquietação que nos obriga a olhar de frente para o que preferíamos evitar. E talvez seja isso que a torna tão necessária: porque nos tira do conforto, nos faz pensar e sentir com mais profundidade.

No fim de contas, o seu lugar na história não é apenas o de uma grande escritora. É o de alguém que ajudou a mudar mentalidades, que desafiou estruturas, que abriu espaço para outras vozes. E isso — num país que demorou a escutar as mulheres — vale tanto quanto todos os prémios literários do mundo.

Proudly powered by WordPress

Scroll to Top