o dia inicial inteiro e limpo
25 de Abril
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
“O dia inicial inteiro e limpo”: o poema que deu rosto à liberdade
Há poemas que chegam como um sussurro, e outros que explodem por dentro — não por serem ruidosos, mas por dizerem exatamente o que sentimos e não conseguimos explicar. “O dia inicial inteiro e limpo” é isso. Um poema breve, mas imenso. Uma fotografia em palavras do que foi o 25 de Abril e, ao mesmo tempo, uma promessa do que ainda queremos que Portugal seja.
Escrito por Sophia de Mello Breyner, este poema não é apenas um registo da Revolução dos Cravos — é talvez o seu símbolo mais lírico e duradouro. Nele, sentimos não só a libertação de um povo, mas também o início de uma nova forma de olhar o mundo.

Um novo começo em cada verso
“O dia inicial inteiro e limpo” começa com a simplicidade de quem viveu o impossível: um país que, de repente, acorda livre. A expressão “inicial” carrega esperança — a ideia de que tudo pode recomeçar, de que há finalmente espaço para respirar, para existir sem medo.
A palavra “inteiro” fala de algo que não está partido, que não está ferido, como se naquele momento se tivesse recuperado a dignidade roubada durante décadas de ditadura. E “limpo” é talvez o termo mais poderoso: a imagem de um país lavado, desempoeirado, finalmente claro. Um dia sem mentiras, sem vigilância, sem censura.
Sophia conseguiu em poucos versos condensar o que muitos sentiam mas não sabiam dizer: a sensação de renascimento coletivo. Não foi uma vitória violenta — foi um abrir de portas, um deixar entrar a luz.
Mais do que poema, memória viva
“O dia inicial inteiro e limpo” tornou-se um dos textos mais citados sempre que se fala do 25 de Abril. Não só porque é bonito ou marcante, mas porque é verdadeiro. Porque carrega a emoção crua de um povo que passou muito tempo calado — e que, de repente, pode finalmente falar.
Ler este poema hoje é quase como voltar àquela manhã de 1974. Não como quem olha para o passado com nostalgia, mas como quem reconhece nele uma lição: a liberdade não acontece por acaso. É conquistada, cuidada e, acima de tudo, sentida.
Um poema que continua atual
O mais incrível é que, tantos anos depois, este poema ainda nos interpela. Ainda nos faz perguntar se os dias que vivemos são “inteiros e limpos”. Ainda nos convida a estar atentos, a não desistir da ética, da justiça e da liberdade.
“O dia inicial inteiro e limpo” não ficou preso ao momento histórico em que foi escrito. Tornou-se um marco da poesia portuguesa e da nossa memória coletiva. E talvez isso seja a grande força da poesia de Sophia: dizer o essencial de forma simples, mas com verdade. E a verdade, quando bem dita, nunca envelhece.
